Organologia




A organologia é a disciplina que trata da descrição e da classificação de qualquer instrumento musical, tendo em conta o material empregue, a forma, a qualidade do som produzido, o timbre, o modo de execução, entre outros.


A organologia também procura classificar os instrumentos de acordo com suas semelhanças de forma física, articulação do som e timbre em “famílias” instrumentais. Por exemplo, por suas semelhanças físicas, sonoras e de articulação, os violinos, violas, violoncelos e contrabaixos são participantes da família das “cordas friccionadas” pois sua fonte sonora é a mesma — tradicionalmente, a fricção das cordas dos instrumentos com o arco — e suas tessituras diferentes se completam criando uma grande tessitura geral da família, semelhante ao que acontece em um quarteto de flautas doces (soprano, contralto, tenor e baixo).




Índice






  • 1 História


  • 2 Classificação


    • 2.1 Classificação tradicional[1]


    • 2.2 Classificações científicas[7]


      • 2.2.1 Mahillon


      • 2.2.2 Galpin — 1.º sistema


      • 2.2.3 Hornbostel–Sachs


      • 2.2.4 Schaeffner


      • 2.2.5 Galpin — 2.º sistema






  • 3 Referências





História |


O estudo sistemático dos instrumentos nem sempre teve a importância que tem hoje. Embora sempre tenha havido representações e descrições dos instrumentos, somente a partir do Renascimento[1][2] começou a existir maior preocupação com sua identificação, havendo um consequente incremento de obras teóricas que procuraram sistematizar esse estudo. Na história da classificação dos instrumentos alguns marcos podem ser assinalados[1][2]:


Em 1325, o professor francês Jean de Muris criou um sistema de classificação em que dividia os instrumentos em:




  • tensibilia — instrumentos com cordas tensas;


  • inflatibilia — instrumentos que são soprados;


  • percussibilia — instrumentos que são percutidos;


Em 1511, o sacerdote alemão Sebastian Virdung na obra “Musica Getutscht und Ausgezoge” apresentou a seguinte classificação:




  • instrumenten mit Saiten — instrumentos com cordas;


  • instrumenten mit Röhren in die geblasen wird — instrumentos acionados pela respiração humana ou por vento artificial;


  • instrumenten von Metalle oder anderen clingende Materien — instrumentos de metal ou de outros materiais ressoantes;




Uma página do Syntagma Musicum.


Em 1619, o compositor alemão Michael Praetorius publicou a obra “Syntagmatis Musici Michaelis Praetorii C” (que veio a ser mais conhecida por Syntagma Musicum). Tornou-se uma obra de referência porque não apenas agrupava os instrumentos em famílias, mas também dava algumas indicações sobre as dimensões e construção, além de ser amplamente ilustrada.


Em 1637, o padre francês Marin Marsenne publicou a “Harmonie Universelle”, em que os instrumentos vêm agrupados em famílias, mas sem nenhuma classificação sistemática.


Em 1863, o musicólogo belga Auguste Gevaert foi um dos pioneiros[2] da organologia moderna quando no seu “Traité général d’instrumentation” propôs uma classificação baseada numa antiga classificação indiana:




  • instruments à cordes — instrumentos de cordas;


  • instruments à vent — instrumentos de sopro;


  • instruments étirés avec une membrane — instrumentos esticados com uma membrana;


  • instruments autophoniques — instrumentos autofónicos;


Em 1914, a dupla de etnomusicólogos, o austríaco Erich von Hornbostel e o alemão Curt Sachs, publicaram a “Systematik der Musikinstrumente”. Este sistema (que passou a ser conhecido como o sistema Hornbostel–Sachs), embora apresentasse algumas falhas, é o sistema que tem tido maior aceitação[1] e é amplamente utilizado por músicos e musicólogos.


Em 1932, o francês André Schaeffner publicou o artigo “D’une nouvelle classification méthodique des instruments de musique”, na revista “Revue Musicale”.



Classificação |


Existem vários modos de classificar os instrumentos musicais. Esses diversos modos dependem do autor, do tipo de sistema utilizado, da época e também do local (ou cultura) em questão.


Por exemplo, na cultura chinesa, tradicionalmente classificam-se os instrumentos consoante o material. Um sistema datado do 1.º milénio A. C. divide os instrumentos em[1][3][4]:




  • qin — instrumentos em metal;


  • shih — instrumentos em pedra;


  • go — instrumentos em pele;


  • pao — instrumentos em cabaça;


  • zhu — instrumentos em bambu;


  • mu — instrumentos em madeira;


  • xu — instrumentos em seda;


  • tu — instrumentos em barro;


Outro exemplo, na cultura indiana, tradicionalmente classificam-se os instrumentos consoante o modo de produção sonora. Um sistema datado do século I, divide os instrumentos em[2][3][4][5]:




  • tata vādya — instrumentos tensos;


  • avanaḍha vādya — instrumentos cobertos;


  • ṣūsirā vādya — instrumentos ocos;


  • ghana vādya — instrumentos sólidos;


Presentemente, nas culturas de herança greco-romana existem dois principais sistemas de classificação: a classificação tradicional e as classificações científicas. No entanto, nenhum desses dois principais sistemas pode considerado melhor porque “as classificações existentes refletem as necessidades e a cultura de quem as elabora”[6].



Classificação tradicional[1] |


Nas culturas de herança greco-romana, tradicionalmente classificam-se os instrumentos consoante o modo em que são tocados: beliscados ou friccionados (instrumentos de corda), soprados (instrumentos de sopro), percutidos (instrumentos de percussão). Essa organização tripartida remonta desde a Grécia antiga. Embora seja um sistema antigo e bem conhecido, não é sistemático, é mais aplicável aos instrumentos da música ocidental, e não está preparado para novos instrumentos.




Uma amostra de instrumentos de cordas: um quarteto de cordas.


Os instrumentos de corda agrupam os instrumentos cujo som é produzido por uma corda esticada. O critério aqui é, portanto, o modo de produção sonora, agrupando vários métodos de ativação (por beliscamento, por fricção, e em alguns casos até por percussão). Tradicionalmente, esta classe é subdividida em critérios ora de execução (família das vielas: cordas friccionadas; famíla das guitarras: cordas beliscadas) ora morfológicos (família de instrumentos de teclado).




Uma amostra de instrumentos de sopro: um clarinete, um saxofone e um trompete.


Os instrumentos de sopro agrupam os instrumentos cujo som é produzido mediante um sopro de ar (artificial ou infligido por um ser humano). O critério aqui já é o método de ativação. Tradicionalmente, esta classe é subdividida segundo o objeto que funciona como ativador (lábios: metais; palhetas ou aresta: madeiras).




Uma amostra variada de instrumentos de percussão.


Os instrumentos de percussão agrupam os instrumentos cujo som é produzido mediante um choque entre objetos. O critério aqui é novamente o método de ativação, independentemente do modo de produção sonora ser um corpo sólido ou uma membrana esticada. Tradicionalmente, esta classe é dividida segundo a função (rítmica: percussão de altura indefinida; melódica: percussão de altura definida).


Como pode ser observado, este sistema, para além de não ser sistemático (critérios diferentes conforme os casos) é incompleto:



  • nos instrumentos de corda não costumam estar listados instrumentos cujas cordas são ativadas pelo ar (ex.: harpa eólica);

  • nos instrumentos de sopro não costumam estar representados os instrumentos cujo som é produzido pela deslocação do ar, mas que não são soprados (ex.: pião musical);

  • em contrapartida, costumam estar incluídos nos instrumentos de sopro instrumentos cujo som é produzido por um corpo sólido, mas que são soprados (harmónica).

  • nos insrumentos de percussão não costumam estar representados instrumentos cuja membrana não é percutida (ex.: sarronca) nem instrumentos de corpo sólido que não são percutidos (ex.: berimbau, harmónica de vidro);

  • alguns autores vão ao extremo de incluir em instrumentos de percussão alguns instrumentos apenas devido à sua função rítmica (ex.: apito);


As orquestras sinfónicas ocidentais vieram a estabelecer uma divisão em cinco classes, que serve mais aos propósitos da interpretação da música clássica:




  • cordas;


  • madeiras;


  • metais;


  • percussão;


  • instrumentos de teclas;


O critério para esta divisão provavelmente deriva da ótica do instrumentista: um violinista, por exemplo, talvez já tenha uma noção do que é tocar guitarra; um flautista provavelmente aprenderá com facilidade a tocar o saxofone; a noção de ritmo do percussionista permite-o tocar qualquer instrumento com função rítmica (um tambor, um prato, em berimbau, etc.); alguém que toca piano de certeza também toca órgão; e assim por diante.


Outros autores apresentam uma listagem ligeiramente diferente:




  • cordas;


  • madeiras;


  • metais;


  • percussão;


  • outros instrumentos;



Classificações científicas[7] |


As classificações científicas[8] classificam os instrumentos sobretudo pelo modo de produção sonora. Têm como base principal princípios acústicos, e não conceitos morfológicos ou de execução. São sistemas recentes (quase todos eles do século XX)[3] e tentam abarcar todos os métodos de produção sonora, cronológica e geograficamente[9]. Embora procurem ser rigorosos e sistemáticos, não são amplamente conhecidos, e nem sempre são de fácil apreensão.



Mahillon |


Entre 1880 e 1922, o conservador do museu belga Victor-Charles Mahillon publicou o “Catalogue déscriptif et analytique du Musée Instrumental du Conservatoire Royal de Musique de Bruxelles”. A vasta coleção de instrumentos do Conservatório Real Belga, que abrangia instrumentos de várias partes do mundo, permitiu que se aprofundasse a classificação de Gevaert em:




  • autophones — autofones;

    • autofones percutidos;

    • autofones beliscados;

    • autofones friccionados;




  • membranophones — membranofones;

    • membranofones percutidos;

    • membranofones friccionados;




  • aerophones — aerofones;

    • palhetas;

    • flautas;

    • polifónicos com reservatório de ar;

    • trompetes;




  • chordophones — cordofones;

    • friccionados;

    • beliscados;

    • percutidos;





Galpin — 1.º sistema |


Em 1910, o britânico Francis W. Galpin apresentou o seu primeiro sistema em “Old English Instruments of Music: Their History and Character”. Galpin tentou que o segundo nível (a primeira subdivisão) tivesse um critério uniforme. Neste seu primeiro sistema a primeira subdivisão era consoante a existência ou não de um teclado ou mecanismo automático:




  • sonorous substances — substâncias sonoras;

    • sem teclado;

    • com teclado;

    • com mecanismo automático;




  • vibrating membranes — membranas vibrantes;

    • sem teclado;

    • com teclado;

    • com mecanismo automático;




  • wind instruments — instrumentos de sopro;

    • sem teclado;

    • com teclado;

    • com mecanismo automático;




  • stringed instruments — instrumentos de cordas;

    • sem teclado;

    • com teclado;

    • com mecanismo automático;





Hornbostel–Sachs |


A dupla de etnomusicólogos, Erich von Hornbostel e Curt Sachs, publicaram a “Systematik der Musikinstrumente”[10][11][12]. O método não difere muito do proposto por Mahillon. O termo “idiofone” foi usado para evitar mal-entendidos em que a palavra “autofone” podia também significar um instrumento que tocava por si só (instrumentos mecânicos).




  1. idiophonen — idiofones;

    1. idiofones percutidos;

    2. idiofones beliscados;

    3. idiofones friccionados;

    4. idiofones soprados;




  2. membranophonen — membranofones;

    1. membranofones percutidos;

    2. membranofones beliscados;

    3. membranofones friccionados;

    4. membranofones soprados;




  3. chordophonen — cordofones;

    1. cordofones simples;

    2. cordofones compostos;




  4. aerophonen — aerofones;

    1. aerofones livres;

    2. instrumentos de sopro propriamente ditos;




  5. electrophonen — eletrofones;

    1. instrumentos acústicos acionados por eletricidade;

    2. instrumentos acústicos amplificados eletricamente;

    3. instrumentos cujo som é produzido primariamente por osciladores controlados por tensão elétrica;




A novidade deste sistema foi a utilização de um sistema numérico para identificar os instrumentos, a classe e as subclasses às quais pertenciam. A nível das subdivisões, o critério nem sempre é uniforme: enquanto que nos idiofones e nos membranofones a subdivisão é feita segundo o método de ativação, nos cordofones a subdivisão é feita segundo a morfologia do instrumento, e nos aerofones a subdivisão é feita conforme o ar é ativado diretamente ou através de um órgão externo. A quinta classe (eletrofones) foi adicionada em 1940 para albergar instrumentos cuja produção do som é influenciada pela tensão elétrica.



Schaeffner |


André Schaeffner em “D’une nouvelle classification méthodique des instruments de musique” classificou os instrumentos segundo um critério diferente. A principal divisão era feita através de dois grupos principais:




  • instrumentos cujo corpo vibratório é um material sólido;

    • instrumentos rígidos;

    • instrumentos sujeitos a tensão;




  • instrumentos cujo corpo vibratório é o ar;

    • instrumentos em que o ar não está confinado por um objeto;

    • instrumentos com o ar confinado num objeto;




De notar que, nesta classificação, instrumentos tradicionalmente classificados como instrumentos de sopro ou como aerofones, tais como o acordeão e a harmónica, estão integrados na primeira classe, porque o corpo vibratório não é o ar, mas sim um material sólido (as palhetas livres).



Galpin — 2.º sistema |


Em 1937, Galpin apresentou o seu segundo sistema, revisto, na obra “A Textbook of European Musical Instruments”. Neste seu segundo sistema a primeira subdivisão era consoante o método de ativação:




  • autophones — autofones;

    • autofones percutidos;

    • autofones beliscados;

    • autofones friccionados;

    • autofones soprados;




  • membranophones — membranofones;

    • membranofones percutidos;

    • membranofones friccionados;

    • membranofones soprados;




  • chordophones — cordofones;

    • cordofones beliscados;

    • cordofones percutidos;

    • cordofones friccionados;

    • cordofones soprados;




  • aerophones — aerofones;

    • flautados;

    • palhetados;

    • labiais;




  • electrophones — eletrofones;

    • por oscilação;

    • eletro-magnéticos;

    • eletro-estáticos;







Referências




  1. abcde Instrumentos Musicais (Henrique, Luís L.; Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian – 2004)


  2. abcd Enciclopédia dos instrumentos musicais (Oling, Bert & Heinz Wallisch; Lisboa: Centralivros – 2004)


  3. abc Atlas de Música (Michels, Ulrich; Lisboa: Gradiva – 2003)


  4. ab Portail ethnomusicologie — Les classifications traditionnelles (ou vernaculaires)


  5. Tambours — Musicologie


  6. The New Harvard Dictionary of Music (Malm, William P.; The Belknap Press of Harvard University Press: Massachusetts, 1986)


  7. Instruments and the Electronic Age (Kvifte, Tellef; Oslo: Solum forlag – 1988)


  8. Studi introduttivi alla classificazione degli strumenti musicali


  9. Précis de Musicologie (Bran-Ricci, Josiane & Florence Gétreau; Paris: Presses Universitaires de France – 1984)


  10. Virtual Instrument Museum


  11. Classification Hornbostel–Sachs des instruments de musique


  12. Systematik der Instrumentenkunde





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